domingo, 24 de agosto de 2008

ONGs do RS contestam o Diálogo Florestal do Pampa

Sete entidades da Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema) lançaram carta pública, no fim de semana, solicitando às organizações ambientalistas da Rede ONGs da Mata Atlântica (RMA) que não participem do Diálogo Florestal do Pampa.

O Diálogo Florestal do Pampa seria uma ampliação do Diálogo Florestal para a Mata Atlântica, que envolve atualmente 25 empresas do setor de papel e celulose e ONGs. Entre elas, Aracruz Celulose, Stora Enso, Votorantim Celulose e Papel (VCP), Klabin, e organizações como a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi/SC), Conservação Internacional (CI-Brasil), WWF-Brasil, Fundação SOS Mata Atlântica e outras.

No documento, as organizações gaúchas afirmam que a RMA, ao integrar o Diálogo Florestal da Mata Atlântica, não realizou consulta aos seus membros a respeito dessa participação, sobre a qual não haveria consenso.

"Solicitamos às entidades que optaram por esta adesão que reconsiderem o tratamento neste Diálogo de questões relativas aos megaplantios silviculturais no Bioma Pampa. Antes de mais nada, cabe relevar que as entidades abaixo-assinadas entendem que o espaço adequado para tal discussão são as instâncias públicas onde a Sociedade Civil organizada se faz representar", diz o texto.

Ele é assinado pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Instituto Biofilia, Núcleo Amigos da Terra/Brasil (NAT), Centro de Estudos Ambientais (CEA), Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Sociedade Amigos da Água Limpa e do Verde (Saalve) e o IGRÉ – Associação Sócio-Ambientalista.

"A notícia recente de que as entidades que compõem o Diálogo Florestal iriam ampliar a sua esfera de atuação ao Bioma Pampa causou-nos surpresa e indignação", acrescentam. A Apedema contesta que o Diálogo Florestal do Pampa seja um pedido das próprias entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul e pede o esclarecimento de onde partiu essa informação.

Leia a seguira a íntegra da carta.

Porto Alegre, 22 de agosto de 2008

Às Entidades da Rede Mata Atlântica que participam do “Diálogo Florestal”

Prezados(as) Companheiros(as):

Considerando
· que algumas entidades da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) apóiam e participam do Diálogo Florestal;
· que a própria RMA divulga apoiar e estar representada nesta instância;
· que a RMA não realizou consulta a seus membros, entre os quais algumas das entidades abaixo-assinadas, acerca desse assunto; e
· que não há consenso entre as entidades da Rede sobre esta participação,

solicitamos às entidades que optaram por esta adesão que reconsiderem o tratamento, neste Diálogo, de questões relativas aos megaplantios silviculturais no Bioma Pampa. Antes de mais, cabe relevar que as entidades abaixo-assinadas entendem que o espaço adequado para tal discussão são as instâncias públicas onde a Sociedade Civil organizada se faz representar.

Ressaltamos que não há, aqui, qualquer questionamento quanto à relevância e pertinência do trabalho da RMA como um todo.

A notícia recente de que as entidades que compõem o Diálogo Florestal iriam ampliar a sua esfera de atuação ao Bioma Pampa causou-nos surpresa e indignação. Foi afirmado que tal conduta derivaria de demandas da própria comunidade ambientalista gaúcha.

Destacamos, contudo, que entidades filiadas à APEDeMA que pediram à Coordenação da RMA esclarecimentos sobre de quem partiu tal demanda, até o momento, não obtiveram resposta. O mesmo com relação a quais entidades ambientalistas fariam parte deste processo.

Lembramos às entidades que fazem parte deste acordo com as empresas de celulose que este Bioma apresenta características muito distintas da Mata Atlântica, representando tão somente 2% do território brasileiro. No Pampa vem ocorrendo a conversão rápida (em extensões entre 136 a 440 mil hectares por ano) de seus campos naturais – riquíssimos em espécies – para atividades agrícolas, sobretudo a silvicultura comercial.

Além disso, o Bioma possui tão somente 0,36% de Unidades de Conservação de Proteção Integral, sendo que os plantios irão suplantar este valor em dez vezes, se os projetos propostos se efetivarem. No Rio Grande do Sul, as empresas de celulose pretendem ocupar mais de um milhão de hectares com monoculturas de árvores exóticas, estando sua maior parte localizada neste Bioma. Em nossa visão, a implementação sem condicionantes desses mega-projetos é incompatível com a fragilidade dos ecossistemas remanescentes. Essa situação faz parte do grande retrocesso deliberado das políticas públicas de Meio Ambiente que vive o Rio Grande do Sul hoje.

Além disso, as três grandes empresas de celulose que concentram seus investimentos brasileiros no nosso Estado estão imersas, em nosso entender, em uma série de irregularidades e condutas condenáveis, tais como: manipulação de Estudos de Impacto Ambiental; compra de terras em Faixa de Fronteira; financiamento interessado de campanhas eleitorais; cooptação de sindicatos e outras entidades; influência tendenciosa em audiências públicas por meio de apoio logístico; e abuso da opinião pública, por meio de propaganda enganosa nos principais meios de comunicação, em escolas, etc.

Cabe destacar que as entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul não abrem mão dos pressupostos originais que regeram a elaboração do Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), respeitando a vulnerabilidade das Unidades de Paisagem por meio de parâmetros de restrição para cada uma destas. Constata-se que o documento foi fragilizado, em sua essência, por pressão das grandes empresas de celulose que, aliás, fazem parte do Diálogo.

O próprio Ministério Público Estadual, considerando imprópria a versão do ZAS aprovada pelo CONSEMA, ajuizou Ação Civil Pública discutindo o mérito deste encaminhamento, a qual resultou no retorno da discussão deste ao Conselho.

As entidades da APEDeMA-RS, que participam do CONSEMA, vêm lutando penosamente para que o Zoneamento seja retomado de forma séria, a fim de, ao menos, serem incorporados os parâmetros quantitativos propostos pela Fundação Zoobotânica. Esses parâmetros foram sonegados do plenário do Conselho pela presidência. Além disso, os consensos em relação a eles alcançados na Câmara Técnica de Biodiversidade e Política Florestal foram sumariamente desconsiderados no final das discussões. Tudo isso sob os auspícios da SEMA, em defesa manifesta dos interesse dessas corporações da celulose.

Ademais, as empresas de celulose que fazem parte do chamado Diálogo Florestal vêm tendo papel de destaque no retrocesso das políticas públicas ambientais no Estado. Exemplo disso é a ameaça constante de retirada de seus investimentos do Estado do Rio Grande do Sul. Elas têm buscado apresentar a implantação dos mega-plantios monoculturais de árvores no Pampa como fato consumado, antes mesmo da aprovação do ZAS, criando assim um clima de descrédito com relação técnicos da SEMA que elaboraram a proposta original do documento.

Diante dos fatos relatados e em solidariedade às ONGs que têm lutado pela conservação sustentável do Bioma, reiteramos a solicitação inicial de que suas entidades abstenham-se de estender a abrangência deste Diálogo ao Pampa, contribuindo assim com a continuidade da união do Movimento Ambientalista Gaúcho e evitando prejuízo às estratégias de luta das irmãs do Rio Grande do Sul.

Atenciosamente,

Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá
Instituto Biofilia
Núcleo Amigos da Terra/Brasil - NAT
Centro de Estudos Ambientais - CEA
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN
Sociedade Amigos da Água Limpa e do Verde - SAALVE
IGRÉ – Associação Sócio-Ambientalista

Por Ulisses A. Nenê, da EcoAgência. Reprodução autorizada, citando-se a fonte.

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