quinta-feira, 16 de setembro de 2010

As cidades têm solução?

Por Danuza Mattiazzi - jornalista participante do Curso de Jornalismo Ambiental do NEJ-RS

Estamos distantes da natureza e cegos, confiamos excessivamente na ciência e acreditamos que a tecnologia pode resolver todos os problemas que as cidades enfrentam hoje. Esse é o diagnóstico do professor Rualdo Menegat, doutor em Ecologia de Paisagem, sobre a sociedade atual. Ele propõe algumas mudanças que podem soar estranhas, como a instalação de chiqueiros nas cidades e a manutenção dos carroceiros. Ele defende a integração com o ambiente natural e a manutenção das diferentes culturas, no caminho inverso da homogeneização e urbanização em um “xadrez perfeito”.

A temática ambiental ficou popular recentemente no Hemisfério Sul. Na década de 90, países do Hemisfério Norte já sofriam com catástrofes ambientais agravadas pelo aquecimento global já anunciado pelos cientistas. Já no Hemisfério Sul, Menegat diz que a atenção às mudanças climáticas começou no início do século 21, especialmente com o ciclone Catarina, que atingiu os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em março de 2004. O fenômeno vitimou e feriu dezenas de habitantes, destruiu casas e causou prejuízos à agricultura.

– “Foi o mais importante evento climático da década, pois de fato mostrou algo em ação no clima da Terra para o Hemisfério Sul” – esclarece o doutor.

O aquecimento global contribui com o agravamento das catástrofes ambientais. Conforme explica Menegat, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, devido à poluição, combinado com a diminuição da umidade do ar, faz com que as precipitações sejam mais concentradas e intensas em determinadas áreas e menos freqüentes em outras, aumentando nestas a ocorrência de incêndios.

Ao citar eventos ambientais do último ano – como fortes nevascas na Inglaterra, deslizamentos de terra em Santa Catarina e inundações pelo Brasil – o pesquisador defende que a população esquece muito rápido dos desastres. “Os humanos não estão sabendo ter a leitura do mundo em que vivem. Não conseguem mais interpretar a paisagem”, diz ele, ao mostrar uma foto em que mãe e filho caminham indiferentes aos destroços de uma cidade destruída por enchentes.

Outra imagem que ilustra a falta de compreensão da sociedade sobre os desastres ambientais é a foto de dezenas de pessoas sendo alcançadas pelo tsunami que atingiu a ilha de Sumatra, na Indonésia, vitimando 230 mil pessoas em dezembro de 2004. Segundo Menegat, muitas pessoas assistiram à invasão da onda gigante até o momento em que foram engolidas pela força da água. “Tiravam fotos, gravavam. Achavam que não seriam atingidas? As pessoas não têm consciência da força da natureza. O tsunami de Sumatra é o signo da cegueira da atual civilização perante a natureza”.

Natureza e cultura
Menegat discute a relação entre a natureza e a cultura dos povos, ou seja, de que forma a humanidade se insere no meio natural. Com a construção das cidades, foram criados grandes centros urbanos que limitam a visão de mundo de seus habitantes. “Quem mora aqui dentro [em referência a uma grande cidade], está enclausurado, encapsulado por esses centros urbanos. A cidade não oferece ao cidadão informações fundamentais para que ele olhe a paisagem e a leia”.

As metrópoles já evoluíram para mega-cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. E, para que consigamos viver sem o caos do ritmo acelerado e da poluição nesses espaços, o doutor diz que é necessário tornarmos as cidades mais sustentáveis e buscarmos o contato com o meio natural e o respeito aos limites que a natureza impõe.

Para exemplificar a idéia, Menegat cita o problema enfrentado pela cidade de Arequipa, no Peru. Com 850 mil habitantes, a cidade se expandiu até a saia de um vulcão. O prefeito pediu a ajuda de Menegat para solucionar o problema. “A ciência pode desenvolver uma enorme rolha e tapar o vulcão, que tal?”, brinca o cientista. A colocação irônica de Menegat ilustra a maneira com que os seres humanos confiam na ciência. Ocupam territórios com alto risco de acidentes ambientais sem se preocupar com os riscos e, assim, se prevenir. Mas, depois, querem que a tecnologia solucione a questão. “Nosso problema não é o vulcão, e sim, a cidade. É o peso urbano sobre nós, é a cidade que nos pesa, não a natureza”. Por isso, a resposta do cientista ao governante peruano foi a sugestão de reunir as comunidades, esclarecer sobre os riscos de se morar próximo a um vulcão que pode entrar em erupção a qualquer momento e desenvolver estratégias segundo a cultura local e consenso da população.

Presos no xadrez urbano
Um dos principais problemas das megalópoles, segundo Menegat, é a geometria urbana. A imposição do desenho de um “xadrez perfeito” para as cidades compromete a integração com o ambiente natural. O modelo predominante desde a era das colonizações pôs fim ao ideal de cidade ecológica – posto em prática na cidade Ur, da antiga Mesopotâmia. Ur foi construída segundo o curso do rio Eufrates, respeitando o caminho da água e tentando somente proteger os habitantes das enchentes.

Com o estabelecimento do modelo de tabuleiro, não se pensou mais na natureza. “Segundo o ‘xadrez perfeito’, o rio não pertence à geometria da cidade. Ele só atrapalha. Aí todo mundo larga o lixo ali, já que aquilo não pertence ao tabuleiro urbano perfeito. O mesmo acontece com algum morro que impede a linha reta das ruas. O que fazer? Destruir o morro. Nada pode atrapalhar a geometria urbana”, aponta Menegat.

Ele defende ações locais para inclusão de atitudes ecológicas e ampliação da visão de mundo das pessoas. A proposta é unir cientistas, estudantes, políticos e habitantes das comunidades para discutir soluções inteligentes e que respeitem a cultura de cada grupo.

Chiqueiros urbanos
Uma das alternativas para uma cidade sustentável é a criação de animais no meio urbano. Menegat defende que chiqueiros e aviários podem contribuir com o metabolismo das cidades – ao consumirem os restos de comida da população – e gerar renda a famílias que sofrem com o desemprego.

Outra proposta de Menegat é a manutenção das favelas. “Temos que criar condições de vida nesses locais e não removê-los”, defende ele, ao dizer que os moradores de áreas pobres construíram uma sociedade organizada segundo seus padrões culturais, só precisam de saneamento, segurança e boas escolas para que vivam com qualidade.

“Remover um grupo de catadores de materiais recicláveis, por exemplo, e colocá-los em apartamentos é um grande erro. Eles precisam de casas, um galpão onde possam guardar os materiais que recolhem e um estábulo para cuidar dos cavalos que puxam suas carroças”.

A retirada dos carroceiros das ruas de Porto Alegre – ação que deve ser concluída pela prefeitura até 2011 – é condenada pelo cientista. “Essas pessoas, excluídas do mercado de trabalho, criaram uma profissão por elas mesmas. E, agora, vamos tirar isso delas?”.

Uma das alternativas consiste em dar melhores condições de trabalho para esses profissionais, como carroças elétricas já em funcionamento em Curitiba, no Paraná.

Menegat defende que os catadores precisam de uma política pública que respeite o ritmo de trabalho que construíram, sem retirar deles o que têm de mais genuíno, uma profissão que criaram segundo a sua cultura e suas necessidades.

O ideal brasileiro de cidades melhores, segundo Menegat, tem que respeitar a cultura local. “Não somos a Europa e nunca seremos. Temos que lidar com os nossos problemas”.

O meio ambiente exige que a consciência seja convertida em ação

Por Leila Boscato Garcia - jornalista participante do Curso de Jornalismo Ambiental NEJ-RS

O ser humano pode ser caracterizado como cego, como inconsciente, como pessimista ou otimista demais, quando se fala da sua relação com o meio ambiente. Mas, independente do posicionamento adotado, o certo é que, os discursos que emanam das diversas áreas da sociedade convergem para necessidade de adotar uma nova postura menos destrutiva e mais altruísta.

Onde está a natureza? A pergunta colocada pelo geólogo Rualdo Menegat avalia a estrutura física, cultural e sistêmica da sociedade e caracteriza o ser humano como cego. Cego diante do mundo que o cerca, do modo como vive e por que vive, dos danos que causa a si, ao planeta e aos outros seres vivos, mas, principalmente, cego diante dos sinais que a natureza apresenta. Mas, será cegueira ou uma espécie de consciência inconsciente? A tentativa continuada de alterar o comportamento inadequado da sociedade, em relação à natureza, esbarra num modelo estrutural mantido por governos, corporações e pelas decisões dos indivíduos.

É comum entre as diversas áreas de conhecimento e setores da sociedade tentar encontrar modelos ou métodos param promover a conscientização. Trata-se do resultado da educação ambiental, cada vez mais constante devido aos eventos ambientais desastrosos que abalam diversas localidades do globo. Neste momento, as pessoas reconhecem atitudes inadequadas e passam a ações menos prejudiciais. A diferença entre a cegueira e a consciência inconsciente é que, no primeiro caso, as pessoas negam seu papel e responsabilidade, observam as ocorrências com distanciamento, são expectadores. “As pessoas só assistem aos eventos, não se propõem uma reflexão sobre o que está ocorrendo”, observa Menegat.

Já no segundo caso, as pessoas reconhecem que suas ações são danosas, mas não alteram seu comportamento, ou seja, é quando a consciência não leva à ação. A socióloga Maria Cristina França afirma que os comportamentos diferenciados resultam de vários fatores, entre os quais, as condições concretas de existência, como origem, estrutura de classe, e escolarização ou o acesso desigual às informações, que condicionam o empobrecimento ou enriquecimento do conteúdo de antigas convicções. “Trata-se, nas duas possibilidades, de um grau maior ou menor de coerência interna,entre padrões de ação e de representação elaborados simultaneamente pelos grupamentos sociais nas suas práticas cotidianas”, conclui França.

Menegat aponta a adoção da cidade hipodâmica, proveniente da Grécia Antiga e expandida mundo afora ao longo dos séculos, como princípio para o modelo social baseado na exploração e consumo dos recursos naturais sem controle. “A cidade cortou os vínculos com a natureza, ela não oferece ao cidadão uma cosmovisão do lugar que ocupa e impede a leitura das paisagens”, explica Menegat. Outros elementos denotam o comportamento social com base na linerialidade do ciclo de extração, produção, distribuição, consumo e descarte dos bens e serviços. Além do antropocentrismo, a mundialização do capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial que, por sua vez, emerge junto aos avanços científicos e tecnológicos e às preocupações ambientais. “A natureza não tem tapete”, argumenta Menegat. Contudo, todas as colocações ainda se mostram ineficientes para alterar os padrões de vida prejudiciais.

Afinal, como acabar com a cegueira e a consciência inconsciente? Menegat aposta no diálogo entre as culturas para criação de uma nova consciência, do papel e condição do ser humano diante do meio ambiente natural e artificial. França complementa fixando o desenvolvimento sustentável como foco do debate. “Deve-se avaliar os problemas ambientais globais e locais, interligando as questões de sustentabilidade e justiça estendidos a todas camadas da sociedade”, explica França. Outra alternativa, baseia-se na técnica do “rappor”, da persuasão, defendida pelo jornalista Fernando Antunes. É a tentativa de encontrar um ponto positivo nas ações negativas, individuais ou grupais, e convertê-lo em consciência e ação. Assim, não se utilizariam discursos educativos e invasivos para modificar as ideologias, mas uma condução à atitude correta com relação ao todo. Está aí inserido o conceito dos mapas individuais, ou seja, as referências pessoais, que não devem ser invadidas, mas conhecidas e reestruturadas através da reflexão.

Nas variadas perspectivas exige-se a alteração no comportamento dos sujeitos, sobre suas práticas cotidianas, que passa pela compreensão, conscientização e concordância do sujeito para obter novos princípios de orientação sobre suas práticas. Assim, depende-se de atos individuais e movimentos coletivos comprometidos com a promoção, sensibilização, e transmissão de conhecimento, cujas ações resultem em transformações. É uma tentativa permanente que, embora urgente, se faz ao longo do tempo, partindo do entendimento que não é o planeta que corre risco, mas os seres que dependem dele, a sociedade que pode perecer.