sexta-feira, 11 de julho de 2008

Crise dos alimentos abre "janela de oportunidade" para a agroecologia

Num encontro de três dias, produtores da agricultura orgânica – sem agrotóxicos – do litoral catarinense participaram de oficinas e discutiram formas de ampliar a produção e comercialização de seus produtos.

Foto: Cepagro

Garopaba, SC – Com 40 anos e pai de sete filhos, o agricultor Antônio Gilmar Cognaco foi um dos exemplos mais citados no encontro promovido pela Rede Ecovida de Agricultores Orgânicos - Núcleo Litoral e o Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), em Garopaba. O evento começou terça-feira (17) e se encerrou ontem. Desde os 11 anos ele trabalhou nas plantações de fumo, com uso intenso de agrotóxicos, até que há alguns anos acabou hospitalizado, com graves problemas pulmonares e coceira por todo o corpo. Dois filhos já apresentavam também sintomas de saúde abalada pelo trabalho nas colheitas da produção.

Há quatro anos, decidiu abandonar a atividade e procurou o Cepagro, buscando orientação. Já tem 80% da sua propriedade de 24 hectares, em Leoberto Leal, convertida à produção de alimentos orgânicos e gado leiteiro no sistema voisin. "Valeu a pena, a qualidade de vida da família se tornou muito melhor, temos uma comida mais saudável e estamos produzindo alimentos, não estamos produzindo drogas", afirmou Cognaco. "Aconselho a todos os agricultores que se conscientizem e passem a produzir alimentos orgânicos, é mais fácil que com agrotóxicos", garantiu.

Ele foi um dos 120 agricultores de nove municípios vizinhos a Garopaba que compareceram ao evento de agroecologia, realizado com o apoio da Fundação Gaia e do Projeto Ambiental Gaia Village, onde aconteceu o encontro, na Praia do Ouvidor. Eles participaram de oficinas técnicas (adubação verde, compostagem, processamento de açaítecelagem e ervas medicinais) e traçaram planos para ampliação da sua produção e comercialização.

Janela de Oportunidade
O coordenador-geral de Monitoramento e Avaliação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Márcio Fontes Hirata, disse aos produtores que a crise mundial de alimentos abriu uma grande "janela de oportunidade" para a agroecologia, já que a agricultura tradicional, intensiva e baseada na monocultura, praticamente esgotou suas possibilidades de aumento da produtividade com a incorporação de tecnologia. Culturas como a soja, exemplificou Hirata, só podem produzir mais ampliando a área plantada, o que tem complicadores, como o desmatamento da Amazônia.

Já a agricultura familiar – e, dentro dela, a produção agroecológica - ainda tem muita tecnologia e conhecimento para incorporar visando ganhos de produtividade. Apostando nisso, o governo acrescentou R$ 200 milhões ao orçamento do MDA para a assistência técnica e extensão rural à agricultura familiar, em 2008. O orçamento que era de R$ 168 milhões virou R$ 368 milhões, disse Hirata. Novos programas de aquisição de alimentos e linhas de crédito também estão sendo implementados, garantiu.

"Isso significa que temos (MDA) muito mais condições de apoiar a agricultura familiar, mas o grande desafio para a agroecologia é identificar quais os setores de produção prioritários a serem apoiados e o que é necessário em termos de insumos, recursos financeiros e tecnologia para que isso aconteça", acrescentou. A agricultura familiar responde hoje por 47% da produção total e é responsável por 10,5% do PIB nacional.

"Não se sabe a que ponto ela vai chegar, mas com certeza a participação da agricultura familiar no PIB vai aumentar, pois a avaliação do governo é de que é preciso produzir mais alimentos e quem tem maior capacidade para isso é a agricultura familiar", concluiu o representante do MDA. O coordenador do Cepagro, Charles Lamb, concorda: "A agricultura familiar, porque produz em áreas menores, e o produtor precisa de retorno rápido, tem muito mais capacidade que o agronegócio de aumentar a produção de alimentos".

Gargalo
Mas há dificuldades para o governo resolver, acrescentou. As linhas de crédito existem mas são de difícil acesso pelos agricultores, por causa da burocracia no Banco do Brasil, reclamaram alguns produtores. ONGs como o Cepagro, que realizam projetos de agroecologia, não podem utilizar os recursos do governo para pagamento de pessoal e serviços de administração, essenciais para qualquer projeto de apoio ao setor. Outra demanda, é a comercialização institucional, a venda da produção para merenda escolar, hospitais, presídios e outras instituições públicas.

A discussão da comercialização dos produtos, aliás, foi a que mais concentrou a atenção dos produtores. Este é o grande "gargalo" do sistema, apontaram os organizadores e participantes do evento. Por isso, o diretor da Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia do Paraná (Aopa), José Antônio da Silva Marfil, veio ao evento apresentar o "circuito", uma forma que os agroecologistas de sua rede encontraram de driblar o problema.

O "circuito" consiste numa troca e circulação permanente dos produtos pelas regiões, de forma complementar, que se somam para suprir a demanda nas feiras livres de agroecologia, principalmente, com o compartilhamento de custos de transporte feito por membros da própria rede. Isso resolve a necessidade da diversidade dos alimentos orgânicos para abastecimento de clientes e elimina a figura do atravessador. "É necessário fortalecer o comércio local, em primeiro lugar, e somar com a produção de outras regiões para ter volume e variedade", disse Marfil.

Merenda Escolar
Uma polêmica do encontro foi a venda de produtos orgânicos para a merenda escolar na rede pública. Produtores acusaram prefeituras do Estado de estarem privilegiando um pequeno grupo de empresas com atuação nacional, nas licitações para fornecimento dos alimentos às escolas.

A plenária do encontro votou e aprovou uma "Moção de Repúdio" ao "processo de privatização e terceirização" da merenda na rede estadual e nos municípios foi aprovada, denunciando a exclusão dos pequenos produtores do processo de aquisição de alimentos: "As grandes empresas que dominam o setor priorizam a utilização de alimentos industrializados de cultivo tradicional, comprovadamente menos nutritivos e com grande quantidade de aditivos químicos", diz a moção.

Outra grande preocupação dos produtores é com a extinção de escolas rurais, que está levando muitos jovens a estudar em escolas urbanas, com o transporte escolar do governo. "Com isso as crianças e os jovens perdem os vínculos com a área rural, incorporam os valores consumistas da cidade e acabam abandonando o campo. A gente entende que isso é um elemento que contribui para o êxodo rural", criticou a professora Suzana Pauli, que desenvolve o projeto Plantar e Colher – Um Jeito de Aprender numa escola de Florianópolis, com o apoio do Cepagro.

Oito famílias receberam a certificação de produtores orgânicos, concedida pela Rede Ecovida, composta por mais de três mil famílias no RS, SC e PR. Também foi firmado um Protocolo de Cooperação entre o Cepagro e o Projeto Ambiental Gaia Village, com anuência da Rede Ecovida e Fundação Gaia, que prevê a realização conjunta de ações de incentivo à agricultura orgânica na região. O encontro foi encerrado com uma caminhada dos participantes até a Igreja Matriz de Garopaba, onde foi realizado um ato ecumênico.

Texto de Ulisses Nenê - Redação da Ecoagência. Reprodução autorizada, citando-se a fonte

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Endereço provisório a partir de julho

A Ecoagência Solidária de Notícias Ambientais, do Núcleo de Ecojornalistas do RS, funcionará provisoriamente neste endereço.

Estamos reformulando nosso site www.ecoagencia.com.br.

Núcleo de Ecojornalistas do RS - NEJ/RS
www.nejrs.org.br