quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Menegat e a invisibilidade da natureza

Por Rafaela Haygertt, participante do curso de Jornalismo Ambiental NEJ-RS


Nos dias 20 e 21 de agosto, o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS) promoveu um curso de Jornalismo Ambiental para discutir os desafios da cobertura do meio ambiente. O evento, que aconteceu no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Fabico), integrou as comemorações dos 20 anos do NEJ-RS e reuniu 37 pessoas, entre estudantes e profissionais interessados pelo tema.

A palestra de abertura ocorreu na noite de sexta-feira, dia 20 de agosto, e foi ministrada pelo geólogo, pesquisador e professor da UFRGS, Rualdo Menegat, que discorreu sobre a cegueira do ser humano em relação à natureza. Segundo o pequisador, o hemisfério sul vive uma década com diversos fenômenos naturais não comuns, e trouxe o exemplo dos ciclones extratropicais, como ocorreu em Santa Catarina, em 2004, além dos terremotos que despertam pavor às populações.

Com todas essas manifestaçãos naturais, afirma Menegat, a natureza tem se mostrado "um problema para os cidadãos urbanos". Entretanto, ressalta que tais mudanças não são problemas da natureza e, sim, do ser humano que lhe dá as costas. Todos estes fenômenos, explica o pesquisador, tem servido para mostrar que a humanidade desafia a natureza ao se aproximar cada vez mais das áreas de risco. É o que Menegat denomina de "cegueira da civilização humana contemporânea", em relação à natureza.

O geólogo alertou sobre a necessidade de aprendermos com os nossos erros, já que, segundo ele, não houve nenhuma cidade que não tenha sofrido com as inundações nestes últimos anos, as quais atingem em maior escala as populações que ocupam as áreas de risco.

No entanto, o mais problemático dos fenômenos, segundo Rualdo Menegat, é o aquecimento global, transformado pela imprensa em mais um espetáculo.“Isso mostra como estamos cegos para a natureza”, lamenta. ”O mundo urbano que construímos, está além da escala humana”, acredita o geólogo.

Para explicar o papel do homem no meio ambiente, Menegat trouxe duas palavras da língua italiana: ‘Voracino e Velocino’; a primeira ele associou ao consumismo voraz e a segunda à velocidade alucinada empreendida ao consumo. “Esses dois monstros tudo querem e numa velocidade excessiva”, brincou o palestrante.

Segundo o pesquisador, existe hoje um problema muito grande que é a transferência do custo ambiental, onde os municípios terceirizam para outros o seu lixo e, também, a sua responsabilidade com o meio ambiente. “Domesticar a urbesfera - a cultura do hábito urbano - é a grande questão para o futuro humano, um futuro humanista”, defende o professor.

O palestrante também falou sobre o recente desastre ambiental causado pelo petróleo no Golfo do México. “O evento do golfo o México é o maior desastre natural dessa década, e ninguém fala sobre isso”, critica. Para ele, nunca houve uma censura tão ferrenha, e relembrou que o silêncio da imprensa "só se compara à censura dos experimentos nucleares durante a guerra fria”.

Após a palestra, o docente da UFRGS respondeu algumas perguntas dos participantes, que foram desde a questão da desapropriação da vila do Chocolatão até a melhor forma de lidarmos com aqueles que não acreditam que o aquecimento global é uma realidade.

No final, Menegat deixou claro aos participantes: cuidar do meio ambiente é cuidar das pessoas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Tecnourbesfera: a antinatureza

por Rodrigo Avila Colla, participante do curso de Jornalismo Ambiental NEJ-RS

Em palestra conferida no curso de Jornalismo Ambiental, o geólogo Rualdo Menegat definiu tecnourbesfera como sendo o ambiente forjado pelo homem a partir do processo de urbanização. Já não temos atmosfera sobre a cidade nem litosfera sob ela, temos uma atmourbesfera e uma litourbesfera. O quê de vida ainda resiste nesse meio que inventamos pela técnica vem a ser a biourbesfera.
Nesse sentido, a tecnourbesfera propicia um enxadrezamento (o traçado de tabuleiro dos quarteirões das cidades vistas de cima) antinatural dos seres humanos. Antinatural porque na natureza encontramos outro tipo de formas (espiraladas, fasciculadas, radiais, etc.). Esse enxadrezamento é só mais um indício de que o habitat que criamos para nós exclui o meio ambiente, o relega à periferia; é um sinal nítido de que nos distanciamos e nos tornamos, como a urbe, contrários a lógica do ecossistema, ou, dizendo de outra forma, de que estamos inclinados a entender a natureza como algo a ser dominado, restrito aos nossos jardins e quintais “tabuleiromorfizados”.
Menegat defende que, para biologizarmos o empedernido ambiente urbano, haveria de ter uma “revolução urbícola” que, em outras palavras, trouxesse o campo para dentro da cidade propiciando, assim, o plantio de diversas culturas no âmbito urbano. Ele interpela ainda: “Por que não pode haver aviários na cidade, por exemplo?”. Afinal, tanto se fala na importância da manutenção da biodiversidade e no gasto de energia que empreendemos para transportar alimentos de regiões remotas em relação aos centros urbanos. E mais: “Que biodiversidade há nas grandes cidades? Quantos milhares de litros de petróleo são gastos (e esse gasto implica poluição) na locomoção dos alimentos que colhemos das prateleiras dos supermercados?”
Não são questões que devamos responder com dados estatísticos, mas rechaçar com atitudes fundadoras de um processo urbícola que, paralelamente, será um processo de humanização da cidade.

Agressão ao patrimônio natural: loteamentos destroem APP’s em Passo Fundo


Antes do encaminhamento ao MPE, ambientalistas vão ao local das denúncias fazer o levantamento das infrações legais, como aterramento de banhados e canalização de nascentes

por Verônica Daniela Conceição, participante Curso de Jornalismo Ambiental NEJ-RS

As consequências causadas pelo desrespeito ao meio ambiente prejudicam a natureza e o próprio ser humano, mas falta muito para as pessoas conviverem com responsabilidade e respeito ao próximo e demais seres vivos.
Segundo Hernán Sorhuet, meio ambiente é o conjunto de sistemas naturais e sociais habitados pelas pessoas e os demais seres vivos existentes no planeta, autor citado, colunista do jornal uruguaio El Pais que palestrou sobre “Desafios da cobertura jornalística dos temas ambientais”, e afirma que a informação é um bem social. “Embora a finalidade do jornalismo ambiental seja informar, não é um simples intermediário, senão um participante ativo da construção da sociedade sustentável que confrontará fontes hierarquizará informação e questionará dados, posturas e decisões.”
O curso de Jornalismo Ambiental promovido pelo Núcleo dos Ecojornalistas, NEJ-RS, aconteceu em Porto Alegre e contou também com o professor Rualdo Menegat da UFRGS que questionou sobre “Cegueira e civilização, onde está a natureza?”. Usando imagens fortes de desastres ambientais, mostrou um panorama das cidades, a relação homem/natureza e a busca de uma cultura urbana sustentável.
No norte do Rio Grande do Sul, a bióloga Adriane Deon, militante do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas, GESP, conta que é comum em Passo Fundo a canalização de córregos devido à transformação dos mesmos em canal de esgoto e lixão, bem como o despejo de dejetos e resíduos em banhados e áreas de nascentes. Empresas imobiliárias ou pessoas físicas aterram esses ecossistemas para transformá-los em loteamentos urbanos, com ou sem licença, em desrespeito às Áreas de Preservação Permanente, as APP’s. Estas ocupações são causa de problemas de assoreamento dos rios e impermeabilização e erosão do solo que contribuem para eventos extremos como enchentes e alagamentos.

APP’s em área urbana ou área urbana em APP’s?
A especulação imobiliária associada à falta ou ineficiência de políticas públicas de gestão da expansão urbana e a falta de fiscalização empurram as camadas mais pobres da sociedade para áreas irregulares e de ocupação ilegal. Ocorre, dessa forma, a expansão de favelas e loteamentos irregulares, onde, além da precariedade da infra-estrutura (rede de água e esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, calçamento de ruas, praças, etc) e serviços públicos (postos de saúde, escolas, etc), grande parcela da população convive com graves problemas socioambientais. Em especial, como quando da ocupação de APP’s, que ocorre ao longo de rios, em áreas úmidas como banhados, próximo a nascentes e córregos, próximo a barragens de captação de água, em terrenos com grande declividade e topos de morros, entre outros.
Conforme a bióloga ambientalista, o GESP recebe muitas denúncias de agressões em áreas de preservação permanente as quais, após realizar uma vistoria e coleta de dados, encaminha as informações ao Ministério Público Estadual, MPE. Dentre as denúncias, está um caso antigo, relativo a dano ambiental que vem ocorrendo na área do Bosque Lucas Araújo. Nesta área, onde residem famílias de média a alta renda existe áreas úmidas e nascentes que formam olhos-d’água que deságuam no Arroio São Roque tributário da Bacia Hidrográfica do Rio Jacuí e que também vêm sendo agredidas com a deposição de lixo. Os fatos envolvem agressão em área de preservação permanente, APP, neste bairro cujo nome revela ser a área um fragmento representativo de Mata Atlântica existente na cidade de Passo Fundo e que merece especial atenção das autoridades e órgãos fiscalizadores.
O GESP já encaminhou ao MPE denúncias também de invasão de APP’s por famílias de baixa renda, com o aval do poder público. Um dos casos é o da Vila Bom Jesus, cuja renda provém da coleta de material reciclável. A área foi um ecossistema de banhado consistente, com vegetação característica, que tinha a presença de espécies da fauna local e recursos hídricos com pequenas nascentes e arroios. Foi feito arruamento com deposição de asfalto e sistema de drenagem das águas superficiais ao lado de um ecossistema úmido, sendo o local considerado pela legislação vigente, área de preservação permanente. Para ocorrer à intervenção em uma APP, explica Adriana, é necessário ser feito um parecer do órgão Estadual responsável, desde que se tenha uma utilidade pública para este. No local não se encontra nenhuma moradia a ser beneficiada pela rua, tanto que esta não tem saída.
Contudo, um dos casos que mais chamou a atenção dos ambientalistas em Passo Fundo, foi a denúncia que o GESP atendeu sobre as atividades que estão acontecendo na área onde está projetado o Conjunto Habitacional Par Planaltina. A bióloga Adriana explica que a área em questão encontra-se junto a um fragmento de Floresta Ombrófila Mista pertencente ao Bioma Mata Atlântica, incluindo vários exemplares de Araucária (Araucaria angustifólia), associado a uma área de campo nativo sulino, possuindo vegetação e fauna característica para ambos os ecossistemas. Sendo assim, uma área nobre em recursos hídricos contando com nascentes e um córrego que, inclusive, já tem uma parte canalizada devido às residências existentes no local. “Este córrego é tributário do Arroio São Roque pertencente à Bacia do Alto Jacuí e as obras do empreendimento habitacional provocaram impacto e degradação em APP, como a supressão da vegetação e deposição de resíduos da terraplanagem e da vegetação, num raio que varia de 15m a 28m de extensão, abrangendo a demarcação das estacas até a borda do fragmento; a demarcação do talude invade a APP em aproximadamente 7 metros, estando apenas a 23 metros do córrego; a demarcação do talude avança 16 metros adentro do que a Legislação vigente permite quanto a nascentes e olhos-d’água (que é de 50 metros), estando este a apenas 34 metros. E ainda, agravando a situação, existe depósito de resíduos da terraplanagem a apenas 8 metros do olho-d’água,” descreveu a dramática situação no Conjunto Habitacional.

Mais informações: http://gesppf.blogspot.com/

FOTO: Arroio Pinheirinho na Vila Lucas Araújo/Arquivo GESP-2009